3 de agosto de 2011

A representação da capacidade da Avó no Cinema e na Novela Contemporâneos


Maria Noemi de Araujo
Da produção significativa de filmes que associam a velhice à doença, com bastante destaque para o “Alzheimer”, destaca-se “Poesia” (Shi, Coréia do Sul, 2010) que mostra os conflitos de uma avó diante dos padrões morais eleitos pela geração de seu neto. Recentemente lançado em São Paulo, “Lola” (Brillante Mendoza, Filipina/França 2009) desregula esse discurso e foca a questão da dignidade no drama de duas avós filipinas, em torno da morte de um adolescente...
“Passione”, a telenovela de Silvio Abreu quebra o tabu da sexualidade e sustenta a representação desse tema associada à alegria e capacidade de amar e ser amada da avó Brígida (Cleide Yácones, 2010). Em “Insensato Coração” (Globo, 2011) Gilberto Braga recoloca o debate sobre essa figura destacando sua possibilidade de convívio familiar e social e desempenho do trabalho (doméstico e profissional). Braga aposta nas avós Vitória (Natália Timber) e Zuleica (Bette Mendes) que zelam pela felicidade de suas netas.
A bilheteria site de “Lola”, que significa “Avó” em português, está bombando! Contribui para o sucesso a abordagem realista do filme, colocando o público em contato com duas facetas do tempo da velhice: enquanto uma delas (Anita Lindo), com um olhar triste anda devagar para fazer o luto do neto adolescente morto num assalto, a outra (Rustica Carpio) corre contra o tempo, com um sorriso largo, para salvar o seu neto, um jovem acusado de ser o autor desse crime. Nos dois casos está em jogo a experiência que o problema de cada uma exige, e não o fator “poder aquisitivo”. Ora, elas são igualmente pobres e lutam para realizar seus desejos, resguardar seus valores familiares.
As avós de Mendonza mostram um sintoma da colonização na dura realidade em um canto das Filipinas onde tudo funciona à margem das instituições, da Lei do Homem e a da Natureza. Ali tudo fica mais duro por conta da chuvarada e ventania nas ruelas, becos, canais e arredores de barracos, palafitas, delegacia e tribunal. No espaço público, os barulhos das feiras e da avenida larga dialogam com o silêncio que acompanha os passos da câmera. Com isso, as avós transitam livremente na construção de uma narrativa cujos gestos, olhares e atos dão mais força para as poucas palavras ditas. O modo rude como o poder é exercido nesta sociedade,
representado nas negociações indiretas, penhoras, tráfico de favores, burocracia, superstições, suborno, malandragem nos indicam que há algo que é “curável e o que não tem cura” na cultura da colonização. É sabido que “as Filipinas foram descobertas pelos mesmos navegantes espanhóis que descobriram o Rio de La Plata e fundaram Buenos Aires. Três séculos e meio de
colonização espanhola se percebem no filme”, comentou a psicanalista Cristina Ocariz ainda sob o impacto do filme.
As avós de Gilberto Braga, cada uma a seu modo, inseridas nesta época de globalização, são equivalentemente elegantes. Enquanto Zuleica, com um olhar justo e simples, costura seu tempo entre o cuidado com as netas e a relação com o universo social do bairro de classe média carioca
(Horto), Vitória também se dedica aos cuidados de suas netas. Com uma expressão tranquila, sustenta sua posição de típica empresária de sua época. Proprietária de uma rede de shoppings, é a personagem eleita por Gilberto Braga para exercer o papel da autoridade em situações que exigem firmeza, segurança e a ”palavra final” do ponto de vista da elite. Ela assume essa função sempre com sensatez, pois os atos de humilhação – de rico contra pobre, patrão/ empregado, homem/ mulher, heterossexual/ homossexual – ficam a cargo de personagens cafajestes, ladrões, estúpidos e de um perverso. Assim, nessa novela, o “insensato” é o não-civilizado, seja da zona sul ou da zona oeste do Rio de Janeiro, pobre ou o rico, velho ou novo, mulher ou homem.
Entre as quatro personagens do filme e da novela, há curiosamente em comum o exercício da função paterna assumido pela posição da avó. Em sua singularidade, essas figuras familiares sustentam o lugar da Lei e da civilidade no mundo contemporâneo. Um lugar invulgar que pode ainda desencadear alguma “falha” no discurso e produzir algo novo. Ora, ao que tudo indica, essas avós foram convocadas pelo cinema e pela telenovela para “resguardar” certos valores básicos do mundo civilizado: luto, respeito, responsabilidade, liberdade, felicidade, entre outros. Note-se que, não por acaso, a câmera e a iluminação prestam reverência a todas elas, já que em momento algum elas são depreciadas pela câmera, pela fotografia, pela montagem ou pelo som. Todas essas personagens conservam seus cabelos brancos...
* Maria Noemi de Araujo é Psicanalista, mestre em Educação pela Paris V e doutora pela UFSCar. SP:31/07/2011.


Um comentário:

Elaine Grecco disse...

Obrigada pela "visita monitorada" pelos filmes e telenovelas escolhidos. O assunto merece destaque uma vez que o lugar de escuta do idoso na cultura não se diferencia muito do lugar de escuta para subjetividade que propõe a psicanálise... Não "serve" ao capital e é "louco" dentro da lógica cartesiana de compreensão.