17 de maio de 2010

TU TENS UM MEDO

REFLEXÕES SOBRE AMOR E FINITUDE
Maria Inês Falcâo

TU TENS UM MEDO (fragmento)
Cecília Meireles

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.

Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.


Na ânsia do final feliz, quantas vezes nos esquecemos de viver o caminho...

As questões do envelhecimento se interpõem aos olhares atentos dos alunos da turma de 2010 do Curso de Psicogerontologia: Fundamentos Teóricos, coordenado magistralmente pela Profa. Delia Catulo Goldfarb.
Diante da necessidade de compreender a velhice dos nossos clientes de modo a instrumentalizar a prática, vamos descobrindo o velho que existe em nós e que não queremos ver.
O velho, o inútil, o desmiolado, o sem-razão, vai dando lugar ao eu-mesmo improdutivo em um mundo de capitalizações. Quem é o velho? O outro? Porque hoje ocupamos um lugar na sociedade de consumo? Percebemos que o velho, o antigo, é o que está em desuso e, então, ele deve ser abandonado à própria sorte, abrindo espaço para as novas tecnologias e ao consumo que também nos jogará na obsolescência capital...
A roda social girando e decepando cabeças agonizantes nos faz pensar em nossa própria finitude, no custo-benefício do investimento no que decairá, se ultrapassará, passará.
Mas, então, quando isso ocorre? Quando o ritmo produtivo exige energia sem fim, biologização do ser que deve consumir o desejo inalcançável, projetado no futuro. Mas o futuro do velho já é o presente... O que projetar mais à frente, se o que deseja começa a tomar o contorno do real? E o real deita fora o sublime do desejo... Eu, que tudo podia, investido triunfalmente sobre todas as coisas, a majestade do mundo, fui me reconhecendo com possibilidades e, agora, vou me encurralando nas impossibilidades, marcado pela realidade que me aponta limites, cansaço, mais idade... vejo então meu corpo, máquina desgastada pelas voltas dadas, pelos mecanismos engendrados tantas e tantas vezes, pelo ritmo lentificado do que já foi e viu e fez e falou e calou e hesitou e sorriu e chorou e amou e pensou e calou... Ainda dará tempo? Ainda será possível investir energia para conceber? Ou só restará ceder? Ceder ao novo, ao lógico, ao tecnológico, ao moderno e deixar o caminho livre para os jovens?
Mas e o tempo deles? Certamente também virá, será o mesmo e girará novamente a porta para o próximo vigoroso homem ocupar o lugar do velho, desinvestido e desistido...
O que temos aqui? Impõe-se-me a necessidade de contemplar esta imagem... Essa mirada no espelho remete aos temores e angústias da identificação, aos medos e desejos deixados em algum canto da memória, os quais podem retornar até mais intensamente quando os projetos futuros se tornarem presentes ou, até, passados...
Por outro lado, a possibilidade de subjetivação e de significação do viver nos instrumentaliza para o momento do porvir, nos aproxima do velho dentro de nós de modo a tornar possível a comunicação com o semelhante: o velho, ou melhor, o "eu-mesmo-espelhado no futuro".

Por fim, descubro que cuido de ti para cuidar de mim...

Texto elaborado por Maria Inês Falcão, psicóloga, aluna do curso de Psicogerontologia: Fundamentos Teóricos (COGEAE-PUC-SP)

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