Nos bailes da terceira idade, superprodução não é garantia de parceria. Elas podem estar de esmalte nas unhas, batom e laquê nos cabelos, mas, na hora de ir para pista, não tem uma que não contrarie os versos de Tim Maia. Nos salões por onde costumam rodopiar, vale sim, dançar mulher com mulher. O desequilíbrio de gênero entre os "idosos festeiros" é tamanho - nos bailes da Prefeitura de São Paulo, por exemplo, chegam a ser entregues mil convites femininos e apenas 200 masculinos - que o governo resolveu criar uma categoria para agradar às "meninas": os personal dancers. São dançarinos profissionais contratados para servir de cavalheiros às milhares de damas que costumam ficar sem par.
"Começamos o projeto com 30 bailarinos. O sucesso foi tanto que ampliamos agora para 40. Mas já foi identificado que precisamos de 50 para dar conta da demanda", afirma Regina Alexandrino, presidente da Federação de Dança do Estado de São Paulo, entidade que firmou parceria com a Secretaria Municipal de Esporte e Lazer para fornecer os dançarinos.
Neste ano, já foram organizados sete bailões, todos com a presença deles. Até dezembro, estão previstos mais oito e, as "senhoras", clamam por mais. "Falta homem no pedaço", resume Ana Catharinna Agulhão, de 70 anos, figurinha carimbada nos salões "municipais".
Viúva há seis anos - e pé de valsa desde então -, ela já definiu o critério para o próximo namorado. "Precisa saber dançar. Com meu primeiro marido, eu só ficava na cadeira, mas meu local é na pista", conta.
Há duas explicações para a maioria feminina nos salões, avalia Dinéia Cardoso, supervisora de Lazer da Secretaria de Esportes. Uma é fisiológica, já que os homens vivem menos do que as mulheres. Em algumas regiões do País, a diferença da longevidade é de até 10 anos. Segundo o IBGE, na parcela maior de 60, de cada 10 pessoas, 6 são mulheres.
"A outra questão é cultural mesmo. Não são todos homens que gostam de dançar e, em muitos casos, prevalece o machismo. Eles ficam de fora de uma atividade que é importante para o corpo e para a autoestima, " completa a supervisora.
Heloísa Lopes, de 63 anos, é uma que recorre aos personais mesmo tendo atualmente um "compromisso fixo". "Os homens preferem futebol e televisão. Eu, desde que entrei para o grupo da terceira idade - ela faz aulas de dança em um clube escola da cidade, encontrei no forró e na dança espanhola uma terapia que, além de tudo, me ajuda a emagrecer."
Tanta disputa por suas parcerias exige preparo dos personais. Eles, que costumam ser seguidos por fileiras delas querendo ser a dama da vez, sempre reservam uma única música para cada senhora, tentando atender todas (tarefa impossível). Os personal dancers preservam os costumes de antigamente. Buscam e levam as senhoras a seus lugares.
"Dançamos de tudo, mas como parceiros e não professores", diz Fernando Henrique Gonçalves, de 29 anos, há cinco como bailarino profissional. "Brinco que a dança de salão foi o único quesito em que o homem ainda conduz a mulher. Mas, nos bailes da terceira idade, não tem jeito, são elas que mandam."
Outro critério de seleção dos personais é a mistura de idade (varia de 20 a 55 anos) e biotipos. Tem alto, baixo, mais fortinho, mais magrinho, oriental, negro, loiro... Tudo para combinar com todas as senhoras. A avaliação dos organizadores é que, se todo personal fosse "meninão" e "musculoso" poderia até constranger as senhoras.
Primeira vez
Muitas vezes, são os personal dancers que apresentam a dança às "bailarinas" que só aprendem a bailar depois dos 60. "Um dia me emocionei. Conduzi uma dama que aos 78 anos dançava pela primeira vez", conta o personal Michel Takake, 34 de idade e 20 de dança. "A gente descobre que nunca é tarde para aprender", completa Maria Luiza Rosaneli, de 61 anos, que só começou a dançar neste ano. "Ainda estou aprendendo, mas dançar virou paixão."
Nem todas que usam os passos dos personais, porém, estão sem parceiro fixo. Celene Athaíde, de 67 anos, cansou de emprestar o marido, Florival Athaíde, de 72, "às amigas que não tinham par". Agora, é ele quem deixa a mulher arriscar passos com os bailarinos. Mas quando toca Roberto Carlos não tem conversa. A música é dos dois. Sempre juntos.
Fernanda Aranda
O Estado de S. Paulo